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Posso consultar o Serasa e /ou exigir antecedentes criminais na contratação de um funcionário?

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Em primeiro lugar há que se ressalvar que o tema: consultar órgãos de crédito como Serasa e exigir antecedentes criminais de empregados – são bastante polêmicos, bem como figuram em inúmeras reclamatórios trabalhistas e ações Civis Públicas em curso.

A CLT, em seu art. 2º preconiza que os riscos da atividade econômica pertencem ao empregador, de modo que há interpretações no sentido de que, já que a empresa assume os riscos de sua atividade econômica, por certo que teria o direito de “averiguar” seus candidatos, até porque conforme o art. 7º, XXXIV da Constituição, é assegurado a todos o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular.

Ocorre que a resolução da temática não é tão simples assim. Muito embora a empresa assuma o risco do negócio, sendo livre para admitir e demitir (nos limites legais), também deve respeitar a linha tênue que existe entre sua liberalidade/forma/modusoperandi de contratar e eventuais atos discriminatórios e ilícitos que porventura possam violar imagem, honra, intimidade e vida privada dos empregados.

Isto porque o art. 187 do código Civil prevê que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

No mesmo sentido a Lei n° 9.029/95 preconiza a proibição de qualquer ato discriminatório, para efeitos de admissão ou permanência na relação de emprego, vejamos:

Art. 1o  É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal. 

Nesta esteira, decisões recentes dos tribunais têm entendido que a consulta à órgãos como Serasa e SPC são condutas discriminatórias, vez que sua finalidade seria a proteção de estabelecimentos financeiros e não da empresa que contrata o empregado, contratação esta, que por vezes o ajudaria a se reerguer e quitar suas dívidas, muitas vezes assumidas em momentos difíceis e de fragilidade, não podendo servir para comprovar qualidades de caráter dos empregados.

Vejamos como tem se comportado o judiciário em relação à consulta de seus empregados face aos órgãos de proteção ao crédito:

RECURSO DE REVISTA REGIDO PELO CPC/1973 E INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. PROCESSO SELETIVO. PESQUISA PRÉVIA DE INFORMAÇÕES CREDITÍCIAS DOS CANDIDATOS AO EMPREGO. SPC. SERASA. DANO MORAL COLETIVO. (…). Verifica-se, portanto, a existência de conduta discriminatória por parte da reclamada, pois a situação creditícia do candidato não possui nenhuma relação com as suas qualidades ou habilidade laborais. Importante registrar que é justamente no momento da procura de colocação no mercado de trabalho que o candidato, por muitas vezes, encontra-se em situação econômica fragilizada, sem meios de subsistência e de cumprir algumas obrigações financeiras anteriormente assumidas (…)Desse modo, a consulta prévia dos candidatos aos cadastros do SPC e SERASA acarretou dano moral coletivo in re ipsa , o que é suficiente para a responsabilização da ré, sendo desnecessária para sua condenação, prova de prejuízo sofrido pela coletividade de trabalhadores (inocorrência da contratação de candidatos submetidos à consulta). A prática dos citados atos antijurídicos e discriminatórios configurou ofensa ao patrimônio moral coletivo, sendo, portanto, passível de reparação por meio da indenização respectiva . Recurso de revista conhecido e provido .(TST – RR: 11707520105020066, Relator: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 04/11/2020, 2ª Turma, Data de Publicação: 13/11/2020) (grifos nossos)

Desta feita, se a empresa consultar órgãos de proteção ao crédito na admissão, há risco considerável de, caso denunciada, sofrer fiscalização do Ministério do trabalho, responder eventual Ação Civil Pública ou até mesmo responder à ações trabalhistas individuais, caso não comprove a relevância da referida exigência para os cargos em comento.

Com relação à exigência de certidão de antecedentes criminais, há que se ponderar algumas questões.

Um primeiro ponto que precisa ser elucidado é o fato de que a única profissão que detém um permissivo legal para a análise de antecedentes criminais para a contratação, analisando todo o ordenamento jurídico brasileiro, é a profissão de vigilante, conforme o artigo 16, da lei 7.102/1983.

Art. 16 – Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:

(…)

VI – não ter antecedentes criminais registrados;

Essa previsão se aplica às empresas de transporte de valores ou instituições financeiras, ou seja, o legislador disciplinou dessa forma em razão da função exercida.

Os motoristas de transporte rodoviários interestadual também podem ter os seus antecedentes pesquisados, de acordo com a resolução 1.971, da ANTT (norma infralegal).

Todavia, não há um regramento específico para as demais profissões pelo que passamos à análise dos precedentes jurisprudenciais.

Neste sentido, o TST que estabeleceu que a exigência da certidão de antecedentes criminais será legitima quando for justificada pela natureza da atividade a ser exercida pelo empregado, cabendo a este, em eventual ação judicial, demonstrar que a conduta foi despropositada, bem como, discriminatória e com abuso de poder.

Vejamos precedente em comento:

RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014. RECLAMANTE. DANOS MORAIS. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS .A SBDI-1 do TST, no IRR-243000-58.2013.5.13.0023, firmou as seguintes teses com efeito vinculante, nos termos da Lei nº 13.015/2014:

1. Não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido.

2. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas.

3. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido.

No caso concreto, foi exigida a certidão de antecedentes criminais para a admissão de atendente de telemarketing; a exigência é legítima e não caracteriza dano moral, pois se justifica em razão da natureza do ofício, na medida em que se trata de função com amplo acesso a cadastros com dados sigilosos.RR-130220-41.2014.5.13.0024, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 27/10/2017.

Pela análise da decisão acima, verifica-se que o TST buscou estabelecer parâmetros para a exigência de antecedente criminais, quais sejam a relação com o cargo, citando como exemplo “empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas.”

Pela análise da jurisprudência acima, percebe-se que a decisão de exigir antecedentes criminais é puramente estratégica da empresa e deve ser justificada, caso haja fiscalização ou ação judicial, sob pena de a empresa incorrer no risco de desembolsar voluptuosos valores à título de danos morais individuais ou coletivos.

Obviamente é muito importante para o empregador saber quem está contratando, até para proteção de seu patrimônio, bem como de seus colaboradores, todavia a decisão da empresa deve ser cautelosa pois há julgados que trazem condenações em valores altos.

Recentemente o TST condenou ao pagamento de dano moral, no valor de R$ 100.000,00, uma rede de supermercados que contratava todos os seus empregados fazendo uso da ferramenta de busca de antecedentes criminais.

RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXIGÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS PARA SELEÇÃO E CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS. DANO MORAL COLETIVO . (…)Assim, a Corte Regional ao consignar que “não é difícil associar que das muitas funções desempenhadas pelos trabalhadores da empresa reclamada exigem grau elevado de fidúcia, especialmente por trabalharem diretamente com numerário ou com objetos perfurocortantes (ex. caixas, açougueiros e etc) “, atribuiu de forma genérica uma exceção a todos os candidatos que serão contratados pela ré e alocados nas mais diversas funções, o que não se coaduna com a tese firmada por esta Corte Superior, no IRR 24300-58.2013.5.13.0023, pela SDI-1. E nem se fale da necessidade de comprovação de dano moral, tendo em vista o reconhecimento do seu caráter in re ipsa , segundo o item III da respectiva tese. Violado o art. 5.º, X, da Constituição Federal, impõe-se o reconhecimento do dano moral coletivo e respectiva indenização no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), consideradas a extensão e repercussão do dano, a culpa da reclamada, seu porte e capacidade econômica, o caráter pedagógico e preventivo da condenação e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso de revista conhecido e provido (RR-17302-16.2013.5.16.0002, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 01/07/2022).

Desta feita, há que se destacar que cabe à empresa averiguar se a requisição de antecedentes criminais para a vaga se justifica, analisando, por exemplo, com o que o empregado vai trabalhar, se tendo acesso à valores altos, ou se terá acesso à armas brancas, etc.

Importante ponderar que se eventualmente um empregado causar um dano grave à empresa ou até mesmo à integridade física de algum colega, certamente o judiciário fará o questionamento acerca da análise criminal pregressa dos empregados, pelo que cabe à empresa analisar os riscos que está disposta a correr: se de um lado há o risco de dano moral coletivo, por outro lado pode haver condenação por não ser diligente com suas contratações.

Portanto,cabe ao empregador fazer uma análise acertada e estratégica acerca de como proceder, ponderando se as atividades que os empregados irão atuar efetivamente necessitam de antecedentes criminais, bem como pensando em justificativas para assim os requerer, caso sejam demandados judicialmente.

AUTORA: Polyana Caggiano, Gestora da área Trabalhista no Küster Machado Advogados.

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Küster Machado Advogados Com mais de 30 anos de atuação nacional, o Küster Machado Advogados oferece soluções jurídicas abrangentes nas esferas contenciosas e consultivas em mais de 20 áreas do Direito a nível nacional. Possui unidades nas cidades de Curitiba, Blumenau, Londrina, Florianópolis e São Paulo e desks na Suécia, China e Estados Unidos.

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