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A Convenção de Viena para Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias

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A Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadoria (doravante a “Convenção”), assinada na Conferência de Viena em 1980, entrou em vigor em 1º de janeiro de 1988 e, atualmente, 83 países já a ratificaram, incorporando suas normas aos seus respectivos ordenamentos jurídicos. Com exceção do Reino Unido e da Índia, todas as maiores economias mundiais a adotam hoje como norma reguladora dos contratos de compra e venda internacional de mercadorias. O Brasil ratificou a Convenção apenas em 16 de outubro de 2014, através do Decreto nº. 8.327/2014.

Em linhas gerais, a Convenção é aplicável para contratos de compra e venda de mercadoria celebrados entre partes cujos estabelecimentos estejam situados em diferentes países contratantes – compreendidos como aqueles que já a ratificaram – ou, ainda, em decorrência das regras de conflitos de leis do direito internacional privado, quando estas resultarem na aplicação da lei local de algum dos países contratantes.

Devido a sua inclusão recente no ordenamento jurídico brasileiro, é imprescindível que os profissionais do direito fiquem atentos à Convenção e avaliem se este novo corpo de normas é adequado às operações pretendidas pelas partes que assessoram, considerando seus interesses e expectativas, evitando surpresas quando do surgimento de controvérsias.

É importante destacar, desde logo, que a Convenção respeita o sistema “opt-out”, portanto, as partes que não desejarem ter a referida lei uniforme como norma reguladora de sua relação comercial deverão prever expressamente a sua exclusão no contrato celebrado, pois, caso contrário, ela será aplicada automaticamente. Àqueles profissionais que ainda não estão familiarizados com a Convenção, fica o alerta de que poderão estar indicando, mesmo que involuntariamente, a aplicação de normas indesejáveis pelas partes ou, até mesmo, inadequadas à operação, que muito provavelmente trarão reflexos jurídicos diversos daqueles avaliados na efetivação da contratação, aumentando os custos transacionais e fazendo com que a operação como um todo careça de segurança jurídica.

A Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional, conhecida mundialmente por Uncitral (junção de suas iniciais em inglês), optou, ao redigir o texto da Convenção, por utilizar uma linguagem acessível, visando simplificar as regras do comércio internacional, e por incluir conceitos amplos, de modo a conferir a necessária flexibilidade às suas normas. Uma das preocupações da Uncitral, ainda, foi conferir um tratamento igualitário para comprador e vendedor e maior competitividade no mercado aos agentes econômicos provenientes de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento – que muitas vezes já iniciam as negociações com menor poder de barganha, estando constantemente sujeitos a imposições arbitrárias e práticas que os colocam em situação de desvantagem.

A aplicação de normas de direito alheias ao conhecimento de uma das partes ou, ainda, ter que litigar em foro distante e desconhecido, aumenta os custos transacionais da operação e diminui o grau de segurança jurídica. Deste modo, a redação de cláusulas de eleição de legislação aplicável à transação e do foro competente para dirimir controvérsias entre as partes é sempre uma questão relevante e sensível na negociação de contratos internacionais, embora muitas vezes não tratada com a devida seriedade. Nesta toada, a Convenção propõe a facilitação desta questão, a medida em que não haveria a necessidade das partes estarem ou tornarem-se familiarizadas com normas oriundas dos mais variados sistemas jurídicos, bastando ter conhecimento de um só instrumento legal, aplicado em todo o mundo.

Apesar de representar uma importante construção jurídica e um passo adiante ao desenvolvimento de um mercado internacional efetivamente globalizado, a Convenção não está isenta de críticas e enfrenta certa resistência entre profissionais e doutrinadores de direito. Alguns entendem que a inserção de conceitos amplos e a falta de uma Corte ou Tribunal de última instância que harmonize o entendimento de suas normas maculam os objetivos da Convenção e impedem a efetiva uniformização da lei. Em contrapartida, outros defendem que já existe uma robusta construção jurídica e uma base de decisões de Cortes de todo o mundo que podem ser observadas quando da aplicação e interpretação da Convenção. Há também a compreensão de que as Cortes nacionais incumbidas de sua aplicação e interpretação não são capacitadas para tratar de temas do comércio internacional. A incompletude da Convenção também é alvo de críticas, uma vez que alguns temas de direito material são expressamente excluídos de sua esfera de aplicação.

Alguns doutrinadores chegam até mesmo a questionar a necessidade e utilidade de existir leis uniformes para regular o comércio, entendendo que este se autorregula, impondo seus próprios conceitos, costumes e regras, amplamente respeitados por todos os agentes do mercado.

Entretanto, um ponto que aparenta ser consenso é que a Convenção pode auxiliar e aumentar a competitividade no mercado de empresas provenientes de países cujos sistemas jurídicos carecem da devida segurança, como parece ser o caso do Brasil. Como sua introdução ao sistema jurídico brasileiro é bastante recente, ainda não se sabe ao certo como as Cortes nacionais irão aplicar e interpretar as normas da Convenção, a qual deve ser visualizada exclusivamente sob a ótica internacional e interpretada sem qualquer interferência do direito local.

Por fim, considerando que as relações comerciais enfrentam, além de disparidades de sistemas jurídicos, muitas outras barreiras, como diferenças de religião, cultura e língua, as quais desencorajam empresas e empresários a expandir seus negócios internacionalmente, é imprescindível que estes sejam assessorados por profissionais altamente capacitados, aptos a adequadamente orientá-los nas negociações e na redação dos instrumentos contratuais pertinentes. Quando diante de relações comerciais internacionais, todos os reflexos e consequências das cláusulas contratuais e da aplicação da legislação escolhida pelas partes devem ser estudados e compreendidos, de modo a atender adequadamente as características da operação pretendida, expectativas e necessidades das partes envolvidas, garantindo maior previsibilidade à relação e um grau mais elevado de segurança jurídica.

 

 

Juliana Goetzke de Almeida

Formada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba - 2011). Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar e em Direito Empresarial Aplicado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FAMEC – FIEP/PR). Mestre em Direito Empresarial Internacional pela Steinbeis-Hochschule Berlin – School of International Business and Entrepreneurship (SHB/SIBE), Stuttgart, Alemanha. Concluiu o ensino médio no Gymnasium Neufeld, Bern, Suíça. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/PR. Atuou na área de Consultoria Jurídica Retail Banking and Wealth Management do HSBC Bank Brasil e posteriormente como advogada nas áreas de Direito Societário, Contratos e Imobiliário, com foco em estruturação de negócios nacionais e internacionais. Fluente em Inglês, Alemão e Italiano. É advogada sênior da área de Direito Societário, Contratos e Internacional do Escritório Küster Machado desde 2016.
Küster Machado Advogados
Küster Machado Advogados Com mais de 30 anos de atuação nacional, o Küster Machado Advogados oferece soluções jurídicas abrangentes nas esferas contenciosas e consultivas em mais de 20 áreas do Direito a nível nacional. Possui unidades nas cidades de Curitiba, Blumenau, Londrina, Florianópolis e São Paulo e desks na Suécia, China e Estados Unidos.

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