A penhora salarial é uma medida judicial que tem sido amplamente utilizada para garantir o pagamento de dívidas. No entanto, a sua aplicação para dívidas não alimentares tem gerado debates e controvérsias no âmbito jurídico e social. A relativização desse instituto para este tipo de dívida é um tema que merece uma análise mais aprofundada, considerando seus impactos legais, econômicos e sociais.
É imperioso ressaltar que a penhora salarial é uma medida legalmente estabelecida e amplamente reconhecida como eficaz na recuperação de créditos. Ao permitir que parte do salário do devedor seja destinada ao pagamento de suas dívidas, ela assegura a satisfação dos direitos dos credores e contribui para a manutenção da ordem econômica.
Contudo, a utilização da penhora salarial para dívidas não alimentares, como por exemplo, dívidas de cartão de crédito, empréstimos bancários ou financiamentos, tem sido objeto de questionamentos por parte de diversos setores da sociedade. Argumenta-se que a penhora salarial para este tipo de dívida pode comprometer de forma excessiva a subsistência do devedor, ferindo princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e o da garantia do mínimo existencial.
Nesta toada se faz necessário tecer algumas observações a respeito do mínimo existencial e a possibilidade de a penhora salarial para dívidas não alimentares.
Desde o advento da lei do superendividamento, uma grande preocupação da sociedade foi no sentido de estabelecer um valor para que o abstrato termo “mínimo existencial” tomasse forma palpável. A primeira solução adotada pelo Decreto 11.150/2022, foi no sentido de que o valor correto para que a dignidade da pessoa pudesse ser mantida, perfazia o valor de 25% do salário mínimo, que, à época era de R$ 1.212,00, ou seja cerca de R$ 303,00.
Tal valor sofreu inúmeras críticas por parte das autoridades de defesa do consumidor e teve sua constitucionalidade questionada. Em resposta a essas críticas, o governo atual ajustou o valor para R$ 600 por meio do Decreto 11.567/2023, buscando melhor atender às necessidades dos consumidores.
O segundo ponto que se faz necessário analisarmos para chegar a uma adequada compreensão da necessidade da relativização da impenhorabilidade salarial é o percentual de inadimplentes no Brasil.
Em janeiro de 2024, o Brasil registrou um aumento no número de consumidores inadimplentes, atingindo 66,96 milhões de pessoas. Isso representa aproximadamente 40,83% dos brasileiros adultos. Comparado ao mesmo período de 2023, houve um crescimento de 3,78% na inadimplência.
Além disso, a porcentagem de brasileiros com dívidas chegou a 71,4%, o maior índice desde 2010. Esse alto endividamento é reflexo das dificuldades no mercado de trabalho e do avanço inflacionário, que limitam o orçamento das famílias e levam à busca por novos empréstimos para complementar a renda. O uso do cartão de crédito, por exemplo, representou quase 83% do total de famílias endividadas, apesar de ser uma modalidade de crédito com custos elevados quando entra no crédito rotativo.
Percebe-se que cada vez mais as pessoas deixam de se preocupar em pagar suas dívidas, usando os valores que percebem para contrair ainda mais dívidas.
Diante desse cenário, a penhora salarial é uma forte aliada, vez que compele o devedor a realizar o pagamento da dívida, vez que o desconto é feito direto em folha de pagamento, evitando que o consumidor utilize seu salário para contrair novas dívidas, o que gerará também uma redução no superendividamento.
É relevante destacar que a penhora salarial desempenha um papel importante na promoção da responsabilidade financeira e na prevenção do endividamento irresponsável. Ao saber que seu salário pode ser objeto de penhora em caso de inadimplência, o devedor tende a ser mais cauteloso em suas transações financeiras e a buscar formas de honrar seus compromissos de forma diligente.
Além disso, a penhora salarial é uma forma de garantir a igualdade de tratamento entre os credores e de evitar a dilapidação do patrimônio do devedor. Em um cenário onde os recursos financeiros muitas vezes são escassos, a penhora salarial se apresenta como uma alternativa justa e equilibrada para a quitação de obrigações, evitando que alguns credores sejam prejudicados em detrimento de outros.
Ademais, é necessário ter em mente que a penhora salarial não é uma medida arbitrária, mas sim uma decisão fundamentada em princípios jurídicos e em um processo legal estabelecido. Antes de ser efetivada, a penhora salarial passa por um rigoroso processo judicial, no qual são respeitados os direitos de defesa do devedor e garantidas todas as etapas previstas em lei.
É embasado nestes argumentos que recentemente o STJ proferiu sentença positiva quanto a penhora salarial para dívidas não alimentares, decisão que vem incentivando inúmeros outros posicionamentos semelhantes em diversos tribunais do país.
Diante desses aspectos, fica claro que a penhora salarial é uma ferramenta essencial para garantir a efetividade do sistema de crédito e para preservar a segurança jurídica nas relações econômicas. Ao reconhecer sua importância e legitimidade, podemos contribuir para um ambiente mais justo e equilibrado, onde os direitos dos credores são respeitados e os devedores são incentivados a agir de forma responsável e transparente em suas obrigações financeiras.
Autores:
Diogo Ângelo Cleve de Oliveira, advogado Gestor da área de Recuperação de Crédito
Karoline Aparecida Zago, advogada da área de Recuperação de Crédito
Mylene de Fatima Borba, advogada da área de Recuperação de Crédito