Tema que gera ainda grande discussão jurídica e acadêmica – alvo inclusive da tentativa de uniformização jurisprudencial pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – é a possibilidade de indenização, tanto material quanto moral, na hipótese de abandono afetivo de menor pelo genitor. O abandono afetivo de um filho seria, em síntese, a omissão, a falta de interesse, de convívio, o descumprimento do dever de cuidado, de criação e da educação do filho pelo genitor. Não se confunde com o dever de amar. Este, por ser um sentimento humano, não pode ser imposto pelo ordenamento jurídico e, nos dizeres da Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, “amar é faculdade, cuidar é dever”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi encampada pela Constituição Federal de 1988, no seu preâmbulo, assegura que o reconhecimento da dignidade é inerente a todos os membros da família. A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5°, inciso X, diz ser inviolável a intimidade e a honra das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral. No parágrafo 5°, o artigo 226 assevera que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. E o artigo 227 expressamente dispõe que: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Soma-se a isso o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90), que adverte acerca da importância da convivência familiar, ao prescrever que: “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. O Código Civil vigente, no artigo 186, considera ato ilícito, passível de indenização, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”.
Este mesmo Codex ainda impõe, se houver guarda compartilhada “a responsabilidade conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe (…) concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (art. 1.583, §1°) e se houver guarda unilateral, caberá ao “pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos” (art. 1.583, §3°). E impõe, ainda, a parte em cuja guarda não estejam os filhos, o dever de “fiscalizar sua manutenção e educação” (art. 1.589). O artigo 1.634 expressamente dispõe que: “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda; (…); V – representa-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (…); VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Jurisprudência do STJ
Sobre o assunto, o STJ decidiu que inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. De acordo com o tribunal, “o cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88”.
Foi definido também que comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
O STJ decretou, também, que a caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. Além disso, a alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
Desta forma, não restam dúvidas de que o abandono afetivo do filho por genitor, seja o pai, a mãe ou ambos, deverá gerar, sim, direito a indenização material (se demonstrado o efetivo prejuízo material) e moral, este devendo ser, contudo, proporcional à ação ou omissão do agente, pois tal atitude fere o princípio da dignidade humana e da paternidade responsável consolidadas na Constituição Federal de 1988 e em vários outros diplomas legais vigentes (Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolecente). E que, por ser um ato omisso, fere não somente a CF/88, que no seu art. 5, inc. X, diz ser inviolável a intimidade e a honra das pessoas, assegurando direito a indenização pelo dano material ou moral; como também o art. 227, que impõe o dever à família (art. 226, parag. 5, CF/88) de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade, à convivência familiar; também fere o art. 229, que impõe aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores; e não menos importante, fere o Estatuto da Criança e do Adolescente.
2 comentários em “O abandono afetivo de filho pelo genitor e o direito a indenização”
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