Em que pese a maioria das pessoas tenham em mente que as cooperativas de crédito são um banco, assim como os demais, tal afirmativa encontra-se completamente equivocada.
As cooperativas são sociedades de pessoas com forma e natureza jurídicas próprias, constituídas para prestar serviços aos associados. As cooperativas são baseadas em valores de ajuda mútua, responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Elas são geridas de forma democrática pelos seus membros, também chamados de cooperados, que participam ativamente na tomada de decisões e na definição das políticas e estratégias da cooperativa. Além disso, as cooperativas são voltadas para a satisfação das necessidades e interesses dos seus membros, e não para a obtenção de lucro tendo como objetivo promover o desenvolvimento econômico e social das comunidades em que estão inseridas[1].
Já os bancos convencionais são instituições controladas apenas pelos acionistas e tem como principal objetivo o lucro.
Em suma a grande diferença entre os dois é que o principal propósito de um banco comum é a obtenção de lucro, fornecendo serviços e cobrando por eles. Em contraste, as cooperativas gerenciam os recursos financeiros de seus membros de maneira mutuamente benéfica.
Tendo isto em mente, é preciso definir o ato cooperativo, tendo em vista que este possui grande impacto quando falamos de recuperação judicial.
O conceito de ato cooperativo é de extrema importância no contexto do cooperativismo, pois serve como alicerce para a oferta de serviços por parte das cooperativas aos seus membros. Esse termo refere-se às ações realizadas entre cooperativas e seus associados, entre esses próprios membros e entre cooperativas associadas, todos com o propósito de alcançar objetivos sociais. O ato cooperativo se destaca pela oferta de serviços desprovida de intenções lucrativas.
Esse conceito desempenha um papel vital para as cooperativas, uma vez que estabelece a natureza essencial dessas instituições, baseada no princípio de identidade, onde as sociedades trabalham em prol dos interesses mútuos dos cooperados. Ele representa uma maneira pela qual os cooperados se unem para conquistar benefícios compartilhados, como a aquisição conjunta de recursos, a prestação de serviços em comum e a comercialização de produtos, entre outros.
Em síntese, o ato cooperativo é um dos fundamentos do cooperativismo, possibilitando a união dos cooperados em busca de benefícios mútuos, sem a intenção de gerar lucro. Ele está de acordo com a legislação brasileira e é essencial para que as cooperativas ofereçam serviços aos seus associados com certos benefícios que não são encontrados em outras instituições.
Veja, na prática, o cooperado utiliza os recursos da cooperativa para aprimorar sua situação econômica e adquirir vantagens de escala que se refletem diretamente em seu próprio patrimônio, sendo a cooperativa apenas um meio para alcançar esse fim. Logo, as atividades realizadas têm como objetivo principal a oferta de serviços e não se configuram como acordos de mercado que um cooperado possa desestabilizar individualmente.
Ainda, nesta mesma linha de raciocínio quando um cooperado aumenta seu patrimônio, em razão da característica de ajuda mútua, este acaba por beneficiar também os demais cooperados e a sociedade, entretanto, o oposto também se aplica, logo, se um cooperado passa por situação financeira frágil, toda a cooperativa e cooperados também são abalados.
Para alcançar esses resultados positivos, os cooperados se apoiam mutuamente e recebem apoio da comunidade cooperativa, que acaba por gerar empregos, apoio e crescimento para toda uma sociedade.
No entanto, quando a situação financeira da cooperativa se encontra abalada, toda essa comunidade pode ser impactada pelas particularidades de um plano de recuperação.
Conforme já pincelado anteriormente, a legislação brasileira, especificamente a Lei nº 5.764/71, que regulamenta o cooperativismo no país, reconhece a importância do ato cooperativo e estabelece salvaguardas para sua proteção durante a recuperação judicial. De acordo com essa lei, o ato cooperativo não implica operações de mercado nem contratos de compra e venda de produtos ou mercadorias. Portanto, ele não está sujeito aos procedimentos de recuperação judicial que se aplicam a empresas comuns.
A proteção do ato cooperativo na recuperação judicial se fundamenta justamente nas características da própria cooperativa, visto que diferente dos demais atos e negócios jurídicos, os atos cooperativos possuem como objetivo o crescimento social conjuntos dos sócios-cooperados e da própria sociedade.
Vê-se que a recuperação judicial poderia acarretar o risco de extinção da cooperativa, trazendo prejuízo aos associados, prejuízos à comunidade onde está inserida, prejuízo aos empregados e prejuízo aos credores da cooperativa, pois eventual inadimplemento das suas obrigações recairia sobre os demais associados que, na condição de donos, devem suportar eventuais perdas.[2]
Em resumo, a proteção do ato cooperativo na recuperação judicial é uma salvaguarda importante para preservar os princípios e valores do cooperativismo. Embora a recuperação judicial possa afetar outros aspectos financeiros das cooperativas, o ato cooperativo é reconhecido como uma atividade essencial que deve ser mantida, assegurando a continuidade das operações cooperativas e a proteção dos interesses dos cooperados.
[1] https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3918/1/bmt50_econ02_ascooperativas%20%281%29.pdf
[2] https://srvrepositorio.somoscooperativismo.coop.br/arquivos/ASJUR_OCB/DireitonoCoop/Societario_3ed.pdf?utm_campaign=direito_no_coop_1910&utm_medium=email&utm_source=RD+Station
Artigo escrito pelos advogados Diogo Cleve de Oliveira e Karoline Zago – Recuperação de Crédito.