De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Metabólica e Bariátrica (SBCBM), entre os anos de 2011 e 2018, houve um aumento de 84,73% no número de cirurgias bariátricas realizadas no país[1] e em 2019 foram realizados 68.530 procedimentos, que corresponde a 7% a mais do que os 63.969 procedimentos realizados em 2018[2].
Como consequência desse aumento abrupto no número de cirurgias de gastroplastia realizadas nos últimos anos, as Operadoras de Saúde e o próprio Poder Judiciário têm se deparado com inúmeros pedidos de cobertura para realização de procedimentos pós-bariátrica que supostamente possuem caráter reparador e, na grande maioria das vezes, são instruídos apenas com uma prescrição médica.
Todavia, necessário que se reconheça que a opinião médica não é “incontestável” ou mesmo “de cobertura obrigatória” e que, por vezes, a finalidade dos procedimentos prescritos é eminentemente estética e não reparadora.
E, embora não se desconheça que após a realização de uma cirurgia bariátrica e uma significativa perda de peso existam procedimentos que possam ser realizados para melhorar a aparência e a autoestima do paciente, necessário que o Poder Judiciário compreenda que as Operadoras de Saúde não cobrem todo e qualquer procedimento cirúrgico pós-bariátrica, bem como a sua responsabilidade é exclusiva com relação a procedimentos com cunho estritamente reparador, não possuindo qualquer obrigação com relação a cobertura de tratamentos com finalidade estética.
Atualmente, para os casos de cirurgia pós bariátrica, o rol de eventos e procedimentos da ANS prevê cobertura para o procedimento de dermolipectomia para correção de abdome em avental (desde que preenchidos os critérios estabelecidos na Diretriz de Utilização nº 18, do anexo II da RN 465/2021) e diástase dos retos abdominais. Outros procedimentos, concorde-se ou não, não integram o rol de eventos e procedimentos da ANS e não possuem cobertura obrigatória via plano de saúde.
E ainda que a recentíssima Lei 14.454/2022 tenha flexibilizado a cobertura para alguns procedimentos não previstos no rol de eventos e procedimentos da ANS, desde que preenchidos os critérios elencados na referida lei, importante ainda assim que o Poder Judiciário avalie os aspectos contratuais, financeiros e regulatórios envolvidos, visto que, na grande maioria das vezes, os procedimentos prescritos ao paciente possuem finalidade eminentemente estética e não reparadora.
Logo, indispensável que o Poder Judiciário, ao se deparar com pedidos para realização de procedimentos pós-bariátrica, primeiro avalie se o pedido apresentado é instruído com apenas uma declaração médica ou mais de uma, afinal, médicos têm preferências e posições, e na circunstância em análise, não se está em situação de vida ou morte que não se permita poder avaliar o pedido com mais cautela – principalmente quando o pedido não se restringe a um único procedimento, mas sim vários procedimentos de cunho aparentemente estético.
Segundo, avalie se o contrato prevê cobertura contratual para os procedimentos pretendidos ou mesmo se tem margem de interpretação.
Terceiro, se atente a algumas questões, como: quantos procedimentos cirúrgicos estão sendo solicitados? Qual a verdadeira urgência nos procedimentos pretendidos? É possível a formação do contraditório e realização de perícia médica antes do deferimento do pedido?
Estes aspectos são necessários pelos seguintes motivos:
– os custos de tais procedimentos são altos – e em regra, são pagos no valor dos orçamentos apresentados nos autos – justamente por não integrarem o rol de eventos e procedimentos da ANS – seja com médicos (cooperados ou não), seja com hospitais.
– a Operadora de Saúde, nos termos do art. 3º, inciso II da RN 424/2017, não pode realizar junta médica de procedimentos não previstos no rol da ANS, estando, portanto, impossibilitada na via administrativa de averiguar se de fato todos os procedimentos pretendidos possuem o caráter reparador alegado ou possuem apenas finalidade estética. Não sendo demais reforçar que, a inobservância dessa disposição sujeita a Operadora as penalidades previstas no art. 2º da RN 124/2006, dentre elas a possibilidade de aplicação de multa e até mesmo o cancelamento da autorização de funcionamento e alienação da carteira da Operadora.
Não é demais lembrar que, deferir procedimentos estéticos de forma antecipada, além do fato de prejudicar a Operadora de Saúde (e consequentemente todos os beneficiários do contrato que pagam o plano de saúde e aceitam os limites contratados) prejudica, inclusive, a futura realização de uma perícia médica judicial, o que não pode ser admitido.
Veja, o que a Operadora de Saúde objetiva é que, ao ser demanda judicialmente, lhe seja permitido primeiro produzir as provas em juízo, em especial a prova médica pericial, prova esta que por força de norma regulamentadora da ANS a Operadora de Saúde está impossibilitada de realizar na via administrativa.
A verdade é que, após a realização da perícia médica, constata-se que a grande maioria dos procedimentos plásticos requeridos em juízo possui caráter estético e não reparador.
Importante que se diga que anualmente milhares de pessoas realizam procedimentos estéticos sem que exista real necessidade de reparação de algum órgão e/ou função, mas tão e unicamente porque desejam melhorar sua imagem.
E a verdade é que esse anseio de “melhorar sua imagem” e “ter um corpo mais bonito” pode de fato abalar a psique de um paciente pós-bariátrica, da mesma forma que pode abalar qualquer outra pessoa que esteja descontente com sua imagem e que não necessariamente tenha realizado cirurgia de gastroplastia, e fazer com que este busque junto ao Poder Judiciário que a Operadora de Saúde seja compelida a arcar com todos os procedimentos pretendidos, de modo que é imprescindível que o Poder Judiciário entenda essa situação e analise todos os pedidos com muita cautela.
Não é demais relembrar que a obrigação da Operadora de Saúde é exclusivamente clínica e para verificar a situação clínica real do paciente é necessário e imprescindível que um médico habilitado e imparcial avalie o paciente e veja quais procedimentos possuem necessidade clínica e reparadora, para só então repassar quaisquer obrigações de custeio/cobertura à Operadora de Saúde.
Entretanto, a maior preocupação atual consiste no fato de que o Poder Judiciário, em muitos casos, não está se acautelando dessas situações e acaba deferindo todos os procedimentos requeridos (E pasmem: muitas vezes por meio de decisão antecipatória e sem oferecimento de caução), sem que haja provas reais e válidas quanto ao caráter reparador de órgão e/ou função.
Não se desconhece o fato de que alguns dos procedimentos possam realmente ter cunho reparador, todavia, a realidade é que muitos dos procedimentos requeridos (e por vezes deferidos) consistem em procedimentos cujo caráter é exclusivamente estético.
E neste ponto é bom que se reforce que o anseio da Operadora de Saúde não é fugir das suas responsabilidades para com os seus beneficiários, mas sim obter o reconhecimento pelo Poder Judiciário de que nem todo o procedimento pós-bariátrica tem de fato cunho reparador e necessidade clínica.
Além disso, a Operadora de Saúde busca, na maioria das vezes, demonstrar que diferentemente dos casos de doença, em que não é possível aguardar-se o trâmite processual, estes casos não envolvem doença, de modo que é possível sim aguardar o deslinde do feito (e a realização de prova médica pericial) para sopesar quais procedimentos perquiridos possuem de fato o caráter reparador alegado.
O Poder Judiciário precisa avaliar as consequências de suas decisões e entender que de fato a autorização de um procedimento de gastroplastia envolve doença, todavia, o mesmo não pode se dizer para o cidadão que sofre significativa perda de peso pós-bariátrica, que pode sim aguardar, sem quaisquer prejuízos, a realização de uma perícia médica judicial e o deslinde do feito, para só então, com a real comprovação do caráter reparador alegado, o plano de saúde seja compelido a arcar com os custos dos procedimentos.
Ainda, necessário que o Poder Judiciário igualmente compreenda que inúmeros são os casos em que a tutela antecipatória inicialmente deferida é revogada, seja pelo fato de a perícia médica deferida nos autos ser conclusiva no sentido de inexistir a configuração do caráter reparador defendido pelo paciente, seja pelo fato de as demais provas produzidas nos autos serem suficientes para se concluir pela ausência do caráter reparador dos procedimentos prescritos.
E a verdade é que, na grande maioria dos casos de revogação da tutela antecipatória deferida nos autos, a Operadora de Saúde acaba amargando prejuízos financeiros, tendo em vista que precisou custear antecipadamente os procedimentos em discussão nos autos por conta do deferimento da tutela antecipatória e o beneficiário do plano de saúde por vezes não possui recursos financeiros para ressarcir a Operadora de Saúde com relação aos custos que esta precisou arcar antecipadamente e, portanto, não conseguindo dar cumprimento ao disposto no art. 302 do CPC/2015.
[1]http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2019-09/numero-de-cirurgias-bariatricas-aumenta-8473-em-sete-anos
[2] https://medicinasa.com.br/cirurgia-bariatrica-brasil/#:~:text=SBCBM%3A%20Brasil%20realizou%20mais%20de%2068%20mil%20cirurgias%20bari%C3%A1tricas%20em%202019,-Pesquisa&text=A%20Sociedade%20Brasileira%20de%20Cirurgia,quando%20foram%20feitos%2063.969%20cirurgias.