São diversas as questões legais envolvendo contratos de compra e venda internacional de mercadorias, as quais, aliadas às diferenças religiosas, culturais, linguísticas e de regimes jurídicos, representam significativas barreiras à expansão das atividades de empresários e empresas de todo o mundo. Estas barreiras aparecem como forte desestímulo para a integração e desenvolvimento do comércio, afetando não apenas os principais players do mercado, mas especialmente as pequenas e médias empresas oriundas de países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, uma vez que geralmente enfrentam imposições e práticas abusivas quando envolvidas em negociações internacionais decorrentes de uma posição de mínimo, ou até mesmo inexistente, poder de barganha.
Diante desse cenário, a unificação das normas capazes de regular as transações de compra e venda internacionais tem sido compreendida como essencial e indispensável – inclusive por ser a compra e venda a relação que aparece com maior frequência no cenário comercial –, tendo ganhado força principalmente nas últimas cinco décadas. O objetivo da unificação da lei que regulamenta a compra e venda internacional é equilibrar as relações comerciais, simplificando as regras do comércio e integrando os mais diversos cenários sociais, econômicos e jurídicos, e oferendo à tais transações um maior nível de previsibilidade e segurança jurídica.
É indiscutível que a iniciativa de maior sucesso é a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, doravante denominada “CISG” ou simplesmente a “Convenção”, assinada em Viena, na Áustria, no ano de 1980.
A CISG entrou em vigor em 1º de janeiro de 1988 para as primeiras 11 nações signatárias e, até o momento, 85 países já aderiram as suas normas, ratificando/integrando a Convenção aos seus respectivos sistemas jurídicos. Com exceção do Reino Unido e da Índia, todas as maiores potências econômicas do mundo adotam a CISG como a lei que regulamenta contratos de compra e venda internacional de mercadorias. O Brasil aderiu a Convenção no ano de 2013 e procedeu a ratificação através da promulgação do Decreto nº. 8.327, datado de 16 de outubro de 2014.
Apesar da recente introdução da CISG ao ordenamento jurídico brasileiro, é possível observar, principalmente em demandas de primeira instância, que a Convenção está sendo discutida e aplicada no Brasil. Em 14 de fevereiro de 2017, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul se tornou o primeiro tribunal brasileiro a valer-se da CISG para a solução de uma controvérsia, objeto do Recurso de Apelação nº. 70072362940, no qual condenou uma empresa brasileira a ressarcir cerca de oitenta mil dólares americanos à uma empresa dinamarquesa por quebra de contrato. Além de utilizar a CISG, o referido Tribunal também citou na decisão os Princípios do UNIDROIT relativos aos contratos do comércio internacional.
Considerando que o Brasil possui um sistema jurídico que hoje é considerado de pouca confiabilidade e segurança, a CISG pode representar um benefício aos empresários e empresas brasileiras, à medida que estarão oferecendo aos seus parceiros comerciais um corpo de normas internacionais amplamente experimentado por Cortes estrangeiras há mais de três décadas.
Ademais, é importante destacar que a CISG tem aplicação automática. Isto quer dizer que a Convenção será automaticamente aplicada para todo contrato de compra e venda de mercadorias celebrado entre partes cujos estabelecimentos se encontrem em diferentes países contratantes – considerados aqueles que já internalizaram/ratificaram a Convenção – ou, ainda, em virtude da aplicação das regras de conflito de leis do Direito Internacional Privado quando resultar na adesão de uma lei nacional de algum desses países.
Devido à aplicação automática, as partes que não desejarem ter a CISG como a legislação reguladora de suas transações devem prever, expressamente, a sua exclusão no contrato firmado. Note-se que a redação de simples cláusula com escolha de legislação aplicável não é o suficiente, a exclusão a CISG deve ser expressa.
Como a grande maioria dos advogados brasileiros não estão familiarizados com a CISG, é possível que muitas transações estejam sendo por esta governadas sem que as partes e seus representantes estejam cientes, o que pode levar a cálculos equivocados acerca de possíveis resultados de futuros conflitos e disputas e, consequentemente, culminar na tomada de decisões prejudiciais às atividades desenvolvidas.
Há ainda uma grande incerteza sobre a capacidade técnica dos Tribunais nacionais para enfrentar questões de natureza internacional, com a aplicação de normas de igual sorte. Nota-se que a CISG preceitua que suas normas e conceitos devem ser interpretados e aplicados completamente livres de qualquer influência ou concepções de direito doméstico (nacional).
Outro ponto questionável é a possibilidade de harmonização da aplicação da CISG, pois como cabe as cortes nacionais dos países contratantes a sua efetiva interpretação e aplicação, não há uma corte de última instância designada como competente para a pacificação de entendimentos. Tal situação tende a resultar em diferentes decisões sobre uma mesma matéria em diferente cortes e países, sendo, deste modo, impossível alcançar a harmonização da lei. Todavia, muitos doutrinadores e juristas afirmam que a harmonização é possível, desde que consultado o amplo acervo de decisões internacionais que versam sobre a aplicação da CISG, através das quais é possível extrair entendimentos majoritários.
Outro ponto de atenção é a incompletude da CISG, uma vez que diversas questões de direito material foram excluídas, ou simplesmente não incluídas, em seu campo de aplicação. Em razão disso, a CISG traz, em verdade, apenas uma uniformização parcial. Isto posto, mesmo diante da aplicação da CISG a uma determinada relação, as partes ainda assim precisam determinar no contrato qual legislação nacional será a competente para regular questões que fogem ao escopo da Convenção, como, por exemplo, referentes a validade do negócio jurídico.
Se aplicar uma lei internacional já é uma árdua missão para os Tribunais nacionais, a aplicação de duas legislações distintas, uma internacional e uma nacional, a uma mesma relação jurídica pode culminar em graves inconsistências jurisprudenciais.
Como consequência das questões postas acima, muitos advogados defendem a exclusão da CISG, por meio de uma cláusula específica de opt out, em toda e qualquer situação. Esta orientação parece ser extrema e uma consequência direta da relutância dos profissionais e aplicadores do direito em mudar padrões já consolidados, ou ainda um sinal de evidente ignorância quanto à referida legislação.
Em alguns casos, a CISG pode ser não apenas favorável aos interesses do cliente, mas também um atrativo aos seus parceiros comerciais internacionais para engajarem e intensificarem as relações comerciais com o país. Diante da globalização, é importante que os advogados e julgadores adquiram conhecimento das normas jurídicas internacionais, e principalmente da CISG, que já é uma lei aplicada no Brasil, de modo a fortalecer o sistema jurídico e conferir uma maior competitividade as empresas e empresários nacionais.