O advogado gestor de Direito Previdenciário, Marcio Cavenague, do Küster Machado Advogados, explica quais são as principais novidades da Nova Previdência, com a promulgação da PEC 06/2019, em 12 de novembro de 2019. Confira a opinião do especialista.
News KM: Muita gente tem dúvida sobre a Reforma da Previdência. Em retrospectiva, como foi a aprovação?
Marcio Cavenague: O Congresso promulgou em 12/11/2019 a Emenda Constitucional 103, de 2019, que altera o sistema de Previdência Social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Apresentada pelo governo em fevereiro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 tramitou por seis meses na Câmara e quase três no Senado. Com a publicação da emenda os novos requisitos para aposentadorias e pensões de trabalhadores da iniciativa privada e para servidores públicos federais já estarão em vigor. O objetivo da medida, segundo o Poder Executivo é reduzir o déficit nas contas da Previdência Social. A estimativa de economia é de cerca de R$ 800 bilhões em 10 anos.
News KM: O que muda com a Nova Previdência?
Marcio Cavenague: Uma das principais mudanças, pelo menos uma das mais divulgadas na mídia, é com relação à idade mínima e o fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Na nova configuração, a aposentadoria por contribuição é extinguida e a idade mínima passa a ser igual para todos (exceto profissões especiais), de 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens. O tempo mínimo de contribuição continua sendo de 15 anos. Para os homens que entrarem no mercado de trabalho do dia da vigência em diante, o mínimo de contribuição subirá para 20 anos (são os trabalhadores homens que fizerem sua inclusão e sua primeira contribuição ao INSS a partir de 13/11/2019).
News KM: Com o novo cálculo para todos a aposentadoria será menor?
Marcio Cavenague: A reforma da Previdência mudou a conta a ser feita para calcular o valor das novas aposentadorias. O novo cálculo passa a ser aplicado automaticamente já no primeiro dia de vigência e atinge todos que ganham mais de um salário mínimo. Antes da reforma, para chegar ao salário de benefício o INSS considerava todos as contribuições feitas pela pessoa desde 1994, retirava as 20% menores contribuições e fazia a média das 80% maiores. Com a nova regra, a média passa a ser tirada de 100% das contribuições do período, o que abarcará também os salários menores e puxa o resultado final para baixo. Na sequência, encontrado o valor do salário de benefício os benefícios passarão a corresponder a 60% da média salarial para trabalhadores que se aposentarem com a carência de 15 anos de contribuição. Isso acontece porque a nova metodologia reduz o benefício duplamente: reduz o cálculo da média salarial, e reduz também a porcentagem da média a que o aposentado tem direito. Receber o teto também fica mais longe: na regra antiga de aposentadoria por idade, o beneficiário tinha direito a se aposentar com 100% de sua média com 30 anos de contribuição. Na nova regra, mulheres precisarão de 35 anos e homens, de 40. Por outro lado, quem contribuir por mais de 40 anos poderá ganhar até 110% da média.
Este novo cálculo da média será aplicado a todos os novos aposentados, inclusive em todas as regras de transição (os que cumpriram os requisitos mínimos antes da reforma ficam na conta antiga).
Para os servidores públicos federais que ingressaram na carreira a partir de 1° de janeiro de 2004, o cálculo do benefício será semelhante ao do Regime Geral − com 20 anos de contribuição, 60% da média de todas as contribuições, aumentando dois pontos percentuais a cada ano a mais de contribuição (tanto homens quanto mulheres). Já para os que ingressaram no serviço público até 31 de dezembro de 2003, ficará mantida a integralidade − o valor da aposentadoria será o do último salário, desde que atendidos os requisitos das regras de transição.
News KM: Como ficam as pensões e aposentadorias por invalidez?
Marcio Cavenague: Pensões por morte (pagas a cônjuge e dependentes de beneficiário falecido) e aposentadoria por invalidez (concedidas a quem tem incapacidade permanente) também têm novos cálculos e regras que passam a ser aplicados no dia da publicação do texto da reforma no Diário Oficial. A tendência é também que fiquem menores, limitados igualmente ao piso do salário mínimo.
News Km: Quem ficou de fora da Reforma?
Marcio Cavenague: Sem mudanças para Estados, Municípios, BPC e Rural. Servidores públicos estaduais e municipais ficaram de fora da reforma e, por ora, não sofrem nenhuma mudança em suas regras de aposentadoria. Idosos e deficientes de baixa renda, que têm direito a receber um salário mínimo pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), também ficaram de fora e não tiveram as regras alteradas. O mesmo aconteceu com os trabalhadores rurais, que seguem com as mesmas regras de antes: idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens, com no mínimo 15 anos de contribuição.
News KM: como ficam as regras de transição?
Marcio Cavenague: Na prática, quem está na ativa não cai automaticamente nas novas regras da idade mínima, pois entram em vigor também as regras de transição, um período de adaptação às novas exigências. Por exemplo, um trabalhador que complete o tempo mínimo de contribuição da regra antiga — de 35 anos de atividade com recolhimento ao INSS— para a aposentadoria, terá o direito adquirido ao benefício preservado, inclusive será calculado do modo antigo, mesmo que o pedido seja feito depois.
No Regime Geral de Previdência Social, haverá cinco regras de transição: quatro por tempo de contribuição e uma por idade. Para os servidores públicos da União, haverá duas opções de transição. Vejamos as informações extraídas do site do INSS:
REGRAS TRANSIÇÃO NO RGPS:
• Transição por sistema de pontos: Essa regra soma o tempo de contribuição com a idade. Mulheres poderão se aposentar a partir de 86 pontos e homens, de 96, já em 2019. O tempo mínimo de contribuição de 30 anos, para elas, e de 35 anos, para eles, deverá ser respeitado. A cada ano será exigido um ponto a mais, chegando a 105 pontos para os homens, em 2028, e 100 pontos para as mulheres, em 2033.
O valor do benefício seguirá a regra geral de cálculo da Nova Previdência: 60% da média de todas as contribuições registradas desde julho de 1994 mais dois pontos percentuais a cada ano de contribuição que exceder 15 anos, para as mulheres, e 20 anos, para os homens.
Os professores da educação básica que comprovarem, exclusivamente, exercício da função de magistério na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio terão redução de cinco pontos. Assim, de imediato, as professoras poderão pedir aposentadoria a partir da soma de 81 pontos, desde que tenham o mínimo de 25 anos de contribuição, e os professores, com 91 pontos e, no mínimo, 30 anos de contribuição. Os pontos subirão até 92, para elas, e até 100, para eles.
• Transição por tempo de contribuição e idade mínima: Por essa regra, as mulheres poderão se aposentar aos 56 anos, desde que tenham pelo menos 30 anos de contribuição, em 2019. Já para os homens, a idade mínima será de 61 anos e 35 anos de contribuição. A idade mínima exigida subirá seis meses a cada ano, até chegar aos 62 anos de idade para elas, em 2031, e aos 65 anos de idade para eles, em 2027.
O valor do benefício seguirá a regra geral de cálculo da Nova Previdência: 60% da média de todas as contribuições efetuadas desde julho de 1994 mais dois pontos percentuais a cada ano de contribuição que exceder 15 anos, para as mulheres, e 20 anos, para os homens.
Os professores da educação básica que comprovarem, exclusivamente, exercício da função de magistério na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio terão redução de cinco anos na idade e no tempo de contribuição.
• Transição com fator previdenciário − pedágio de 50%: Segundo essa regra, as mulheres com mais de 28 anos de contribuição e os homens com mais de 33 anos de contribuição poderão optar pela aposentadoria sem idade mínima, desde que cumpram um pedágio de 50% sobre o tempo mínimo que faltava para se aposentar (30 anos para elas e 35 anos para eles). Por exemplo, uma mulher com 29 anos de contribuição poderá se aposentar sem idade mínima, desde que contribua por mais um ano e meio (desse um ano e meio, um ano corresponde ao período que originalmente faltava para a aposentadoria; o meio ano adicional corresponde ao pedágio de 50%.)
O valor do benefício será calculado levando em consideração a média de todas as contribuições desde julho de 1994, sobre ela aplicando-se o fator previdenciário.
• Transição com idade mínima e pedágio de 100%: Essa regra estabelece uma idade mínima e um pedágio de 100% do tempo que faltava para atingir o mínimo exigido de contribuição (30 anos para elas e 35 anos para eles). Para mulheres, a idade mínima será de 57 anos e, para homens, de 60 anos. Por exemplo, uma mulher de 57 anos de idade e 28 anos de contribuição terá de trabalhar mais quatro anos (dois que faltavam para atingir o tempo mínimo de contribuição mais dois anos de pedágio), para requerer o benefício.
Para trabalhadores vinculados ao RGPS, o valor da aposentadoria será de 100% da média de todos os salários de contribuição desde julho de 1994.
Professores da educação básica que comprovarem, exclusivamente, exercício da função de magistério na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio terão redução de cinco anos na idade e no tempo de contribuição (52 anos de idade e 25 de contribuição, para mulheres, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, para homens).
• Transição – Aposentadoria por idade (RGPS): A regra da aposentadoria por idade exige idade mínima de 65 anos para homens. Ou seja, no caso deles, nada muda. Para as mulheres, a idade mínima começa em 60 anos, em 2019, e sobe seis meses a cada ano, até chegar a 62 anos em 2023. Em ambos os casos é exigido tempo de contribuição mínima de 15 anos.
O valor do benefício seguirá a regra geral de cálculo da Nova Previdência: 60% da média de todas as contribuições mais dois pontos percentuais a cada ano de contribuição que exceder 15 anos, para mulheres, e 20 anos, para homens.
REGRAS DE TRANSIÇÃO NO RPPS da União – Servidores Federais:
• Transição por sistema de pontos e idade mínima: Servidores federais também poderão se aposentar pelo sistema de pontos, que exigirá 86 pontos para mulheres e 96 pontos para homens (em 2019), desde que cumpram também o requisito de idade mínima, que começa em 56 anos para as mulheres e em 61 anos para os homens, em 2019 – passando para 57 e 62 anos, respectivamente, em 2022. A cada ano será exigido mais um ponto, chegando a 105 para os homens, em 2028, e a 100 para as mulheres, em 2033.
O tempo de contribuição mínimo será de 30 anos, para servidoras, e de 35 anos para servidores. Todos deverão ter, pelo menos, 20 anos de serviço público e 5 anos no cargo em que se dará a aposentadoria.
Poderão se aposentar com o valor integral do último salário na ativa as mulheres que tiverem completado 62 anos e os homens a partir dos 65 anos, desde que tenham ingressado na carreira até 31 de dezembro de 2003. Para quem tiver ingressado a partir de 2004, o cálculo seguirá a regra geral da Nova Previdência: 60% da média de todas as contribuições mais dois pontos percentuais a cada ano de contribuição que exceder 20 anos (tanto homens quanto mulheres).
Professores da educação básica terão redução de cinco anos na idade e no tempo de contribuição, e a pontuação partirá de 81 pontos para a professora e de 91 para o professor, aumentando um ponto, até atingir 92 para mulheres e 100 para homens. Para isso, esses professores deverão comprovar, exclusivamente, tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil ou nos ensinos fundamental e médio.
• Transição com idade mínima e pedágio de 100%: Essa regra estabelece uma idade mínima e um pedágio de 100% do tempo que faltar para atingir o tempo mínimo de contribuição (30 anos para elas e 35 anos para eles). Para servidoras, a idade mínima será de 57 anos e para os servidores, de 60 anos. Também será necessário comprovar 20 anos no serviço público e 5 anos no cargo em que se dará a aposentadoria. O benefício será equivalente à última remuneração, para quem tiver ingressado na carreira até 31 de dezembro de 2003, ou a 100% da média de todos os salários desde julho de 1994, para os que ingressaram a partir de 2004.
Professores da educação básica que comprovarem, exclusivamente, exercício da função de magistério na educação infantil ou no ensino fundamental e médio terão redução de cinco anos na idade e no tempo de contribuição.
News KM: Quais são as perspectivas em razão da reforma e a possibilidade de aumento da judicialização?
Marcio Cavenague: Apesar da euforia do mercado quanto a reforma, o achatamento dos direitos sociais com redução ou mesmo o endurecimento de acesso aos benefícios trazem uma perspectiva nada animadora para a população mais carente. É que a Previdência Social no seu aspecto constitucional tem uma função central para a redução da pobreza, caracterizando-se como uma Justiça Social promovido pela Estado e que alcança, ainda que tardiamente, a população mais sofrida na sua velhice. Por exemplo, segundo dados do IPEA (2014 e 2008), 75% da população idosa recebia algum tipo de pagamento previdenciário e se fossem retirados todos os benefícios pagos, a pobreza cresceria em mais de 21 milhões de pessoas.
De qualquer sorte, para o segmento de Direito Previdenciário a tendência é o aumento de ações judiciais discutindo pontos dos mais variados da reforma, até porque as outras seis reformas que antecederam essa no período recente da democracia brasileira levaram ao aumento significativo da judicialização na época, com grande proveito aos interessados.