* Por Filipe Küster
O tema que envolve o possível acordo preferencial de comércio entre Mercosul e União Europeia data, efetivamente, desde a criação do próprio Mercosul com o Tratado de Assunção, em 1991. Com a sinalização da criação do bloco Sul americano em meio à uma União Europeia concentrada em formalizar o seu bloco posteriormente em 1993, uma boa mensagem foi enviada aos países europeus que, posteriormente, em 1995 celebraram o Acordo inter-regional de caráter político e econômico com os países integrantes do Mercosul. Tal acordo estabelece as premissas básicas da associação inter-regional pelos meios de cooperação econômica e comercial com a preparação da liberalização gradual e reciproca das trocas comerciais entre as duas regiões.
De lá para cá, pode-se dizer que houve pouca evolução neste compromisso preliminar entre os blocos. O Comunicado Conjunto do Rio de Janeiro em 1999 frustrou expectativas em que os chefes de Estado do Mercosul se comprometeram com a preparação da cooperação, porém, laconicamente, não estipularam quais políticas econômicas e efetivamente políticas deveriam ser realizadas para efetivamente fazer com que o acordo prosperasse. Do outro lado, uma União Europeia extremamente fortificada com o lançamento do Euro parece não ter tido tempo e dedicação suficiente para alinhar o tema com os parceiros sul-americanos.
Os próximos anos, com a virada do século, se seguem com o fortalecimento do governo Lula no Brasil, a partir de 2002, adotando uma política mais autônoma e voltada ao BRIC e ao eixo sul-sul, bem como o desfalecimento da economia argentina com a sucessão de presidentes de de la Rúa até Kirchner, demonstrando, visivelmente um afastamento do bloco com as intenções mais profissionalizadas da União Europeia. Os flertes da Venezuela com a ditadura chavista renderam o reconhecimento do país como membro associado em 2004.
Foi neste mesmo ano que um evento diplomático pode ter custado alguns anos de retardo de prosperidade da cooperação entre os blocos, quando o Ministro das Relações Exteriores do governo Lula, Celso Amorim, praticamente suspendeu unilateralmente as negociações em Bruxelas ao tomar conhecimento da intenção da União Europeia parcelar as cotas de exportação de produtos agropecuários em 10 anos. Com isso, por exemplo, o Mercosul teria direito a exportar 6.000 toneladas no primeiro ano, o que nas palavras dele, seria uma cota parte do Brasil de 2.400 toneladas que totalizam “apenas um caminhão”.
Em 2010, quando a Espanha assumiu a presidência rotativa da União Europeia, foram criados grupos de estudos para avaliar o impacto de um possível tratado de livre-comércio na agricultura europeia e, o que de fato pôde-se concluir é que as negociações de possíveis termos ensejariam muito mais uma simulação da entrada das commodities sul-americanas agrícolas em território europeu do que meramente a vontade política de fazer a cooperação vingar. Em termos gerais, temeu-se que a entrada de produtos como carne, soja, milho e etanol na União Europeia pudesse dizimar a competição dos produtores europeus.
O cerne da questão parece se debruçar exatamente sobre os termos técnicos da possível cooperação, que causam inúmeras divergências de ambas as partes: de um lado, a União Europeia pretende estabelecer cotas comerciais aos produtos agrícolas sul-americanos para não desequilibrar a PAC – Política Agrícola Comum, que é subsidiada pelos governos dos países e mantida por um expresso protecionismo econômico; por outro, pretende criar uma zona de livre comércio industrial, em que poderia privilegiar as indústrias europeias. O Mercosul, por sua vez, vê com reservas a negociação em tais termos. Líderes em commodities agrícolas, abrir uma zona em que a plataforma de negócio é baseada em cotas de exportação deixaria ainda mais difícil a competição exatamente no ponto de maior interesse dos sul-americanos.
Com inúmeras idas e vindas, a negociação Mercosul e União Europeia é, de fato, contraditória. Porquanto o bloco Europeu viu na primeira década deste século um alto desenvolvimento político institucional, com o fortalecimento da união entre os países e com a expansão de acordos comerciais multilaterais do bloco, o Mercosul e os países sul-americanos sofreram, e muito, com inúmeros choques políticos e econômicos no bloco. A suspensão do Paraguai no Mercosul em 2012, por conta da destituição presidente Fernando Lugo, a formalização da Venezuela como membro oficial mesmo diante de um regime autoritário, a profunda transformação vivida pela era Kirchner na Argentina que marcou um afastamento enorme do alinhamento com as políticas livres de economia e o posterior impeachment da presidente Dilma no Brasil, em 2016, foram a gota d´agua para a derrocada, principalmente econômica, dos países sul-americanos.
No entanto, com a entrada do novo presidente argentino Ricardo Macri em 2016, a situação começou a mudar rapidamente: com um aceno de retomada da vontade política por parte da Argentina nas negociações com a Europa, fruto do bom relacionamento de Macri com a União Europeia, e a substituição do Ministério de Relações Exteriores do Brasil com o presidente substituto Michel Temer, somada principalmente à uma União Europeia enfraquecida com o Brexit, com a eleição de Donald Trump para os Estados Unidos que sinalizou o distanciamento com o bloco europeu, tais elementos somados levaram ao momento que vivemos agora de vontade política de avançar com a negociação bilateral entre blocos por uma questão de sobrevivência diante do cenário global.
O mais novo fato que pode deixar os analistas empolgados é a eleição do novo presidente da França, Emanuelle Macron, que tem um uma visão globalista que pode favorecer a emergência do acordo como uma contraposição aos sinais de protecionismo e dissociação do bloco europeu liderados pela extrema direita que tem surgido com mais força na Europa. Sem dúvida, os pontos controversos que pairam na negociação continuam sendo sobre os termos de uma política econômica agrícola que favoreça ambos os blocos. Com um ambiente político favorável, resta saber que ambos os blocos terão forças para aproveitar a oportunidade de formalizar o acordo que está na mesma há mais de 25 anos.