De acordo com uma pesquisa realizada pelo CEPEA (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada)[1], em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), em setembro de 2023 a população no Agronegócio estava contingenciada em 28,3 milhões de pessoas, destas, 220,64 mil pessoas a mais em comparação com o mesmo período de 2022. Esse contingente vem aumentando, sobretudo quando falamos em agrosserviços e no mercado de insumos.
O mercado de trabalho do agronegócio tem conquistado grande espaço, por isso, é muito importante conhecer o histórico e a evolução legislativa dos direitos do trabalhador rural, bem como a legislação aplicada ao setor.
Os principais marcos histórico-legislativos dos direitos do trabalhador do campo remontam ao início dos anos 1900, no período em que Rodrigues Alves era o Presidente do Brasil (1902-1906). Um desses marcos foi o decreto 979/1903, o qual facultava aos setores industriais e agrícolas que se organizassem em sindicatos, sem precisarem de autorização governamental.
Outro marco legislativo importante foi a Constituição Federal de 1934, que em seu bojo incentivava estabelecer condições de trabalho, na cidade ou no campo, visando à proteção social do trabalhador e também o aproveitamento das chamadas “terras públicas”, nas quais poderiam ser formadas colônias agrícolas e serem encaminhados, tanto imigrantes, quanto habitantes de zonas pobres das cidades.
Posteriormente, o Estatuto da Lavoura Canavieira, de 1941, garantia direitos, como moradia e assistência médica aos empregados das grandes usinas. Já o decreto 7.038/1944 instituiu a sindicalização rural em um modelo verticalizado, com sindicatos, federações e confederações.
Apesar de a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – de 1943, prever pouquíssimos temas sobre o trabalhador rural (prescrição; CTPS; salário mínimo; etc), a Constituição de 1946 mantinha a mesma linha da Constituição de 1934 em relação à instituição de direitos sociais, destacando no artigo 157, inciso XII, a garantia de estabilidade em empresa ou em exploração rural e abarcava uma indenização ao trabalhador despedido.
Mas foi somente em 1963 com o Decreto 53.154 que houve efetiva criação de legislação específica para o trabalhador rural. Tal decreto era chamado de Estatuto do Trabalhador Rural, regulamentando a previdência social rural, trazendo a obrigatoriedade da carteira profissional e a garantia de direitos como salário mínimo, repouso semanal remunerado, férias, dentre outros.
Referido decreto foi revogado pela lei 5.889/1973, sendo regulamentado pelo Decreto 73.626/74, que efetivamente estendeu os direitos celetistas do trabalhador urbano ao trabalhador rural, todavia podemos destacar algumas questões em que há diferenciação, como a questão do aviso prévio e adicional noturno, dentre outras peculiaridades.
Não se pode olvidar a Constituição de 1988, que equiparou os direitos dos trabalhadores urbanos aos trabalhadores rurais, a exemplo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), estendido aos trabalhadores rurais.
A lei 5.889/73 conceitua, nos artigos 2º e 3º, empregado e empregador rural, vejamos:
Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
Art. 3º – Considera-se empregador, rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.[2]
Veja-se que se encontram presentes no conceito de empregado rural os requisitos da relação de emprego, quais sejam, pessoalidade, onerosidade, subordinação e habitualidade, sendo que o empregado rural deve prestar serviços ao empregador rural em propriedade destinada como rural ou em prédio rústico, assim considerado aqueles destinados à exploração de atividade agropecuária, silvicultura e pesqueira, inclusive em atividade industrial agrária.
Sabe-se que vários direitos dos trabalhadores urbanos são comuns aos dos trabalhadores rurais, como salário mínimo, auxílio desemprego, irredutibilidade salarial, auxílio maternidade, décimo terceiro salário, entre outros, todavia, cumpre destacar alguns direitos do trabalhador rural que se diferenciam do trabalhador urbano. O primeiro exemplo é o aviso prévio, em que o trabalhador rural, durante o curso do aviso-prévio, tem assegurado um dia de folga na semana, para que possa buscar novo emprego, enquanto o trabalhador urbano pode optar pela redução de duas horas da jornada diária ou não trabalhar os últimos de sete dias do aviso prévio.
Outro direito que diferencia o trabalhador rural do urbano é o adicional noturno e horário noturno. Para os trabalhadores urbanos, o adicional noturno é de 20%, e o horário noturno é das 22h às 5h, havendo hora noturna reduzida em 52 minutos e 30 segundos. Já para o trabalhador rural o adicional é de 25%, sendo que na pecuária considera-se noturno o trabalho realizado entre 20h às 4h, e na agricultura entre às 21h às 5h.A hora noturna do trabalhador rural é de 60 minutos.
Outra questão que merece destaque é a de que, tanto empregados urbanos, quanto rurais têm direito ao intervalo para repouso e alimentação, o chamado intervalo intrajornada, todavia o intervalo intrajornada dos rurais pode observar os usos e costumes da região. Como exemplo, podem os empregados rurais usufruir o intervalo intrajornada das 12:00h às 15:00h, pois o sol é muito forte na região e seria desgastante trabalhar no período.
Estes são apenas alguns direitos dos trabalhadores rurais, em contraponto aos urbanos, mas muito embora haja crescimento no número dos trabalhadores rurais, igualmente inúmeros são os desafios do trabalho no setor de agronegócios, dentre os quais se destacam a permanência do jovem no campo, a participação feminina no agro, o grande número de informais, bem como a chaga brasileira chamada de trabalho análogo à escravidão.
Não obstante isso, as perspectivas para o futuro do trabalho no agronegócio estão intrinsecamente ligadas à adoção de tecnologias avançadas, à ESG (environmental, social and governance – governança social e ambiental), às práticas agrícolas sustentáveis e investimentos na capacitação e no bem-estar dos trabalhadores rurais, ao incentivo da mulher no trabalho rural, principalmente voltando-se ao acesso à educação no campo, à automatização e tecnologias.
O empregador rural deve se adaptar às mudanças e buscar promover um ambiente de trabalho inclusivo, seguro e produtivo, mudança essencial para o desenvolvimento sustentável do setor agrícola no futuro, visando não apenas o aumento dos lucros a si e aos sujeitos beneficiados, direta e indiretamente, mas também trazendo qualidade de vida e de trabalho aos empregados do setor.
Polyana Caggiano, Gestora da área Trabalhista no Küster Machado Advogados.